Muitas pessoas acreditam que médico e enfermeiro, por ser uma profissão nobre, deve se adaptar a qualquer tipo de situação. Ou que em nome de salvar vidas é preciso se submeter a qualquer coisa. Mas não é bem assim. Quando o empregador passa dos limites e comete abusos, como atrasar o pagamento dos salários, estes profissionais devem ir à Justiça.
Foi o que aconteceu no Mato Grosso, onde uma técnica de enfermagem de Cuiabá garantiu, na Justiça, o recebimento de indenização por dano moral em razão de atrasos no pagamento de salários durante o contrato de trabalho com a Santa Casa de Misericórdia.
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Reconhecido em sentença proferida na 7ª Vara do Trabalho de Cuiabá (MT), o direito à reparação foi questionado pelo hospital no Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT). Ao recorrer da condenação, a entidade argumentou que a profissional não comprovou o prejuízo sofrido com os atrasos.
Também alegou que a demora para quitar as folhas de pagamento decorreu de “fato do príncipe”, já que o município de Cuiabá não fez os repasses referentes à prestação de serviços de saúde à população, necessários para pagar seus empregados. Previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o fato do príncipe (factum principis) é o ato da Administração Pública que acarreta a completa impossibilidade de execução do contrato de trabalho, podendo ser considerado como espécie de força maior.
Mas os argumentos não convenceram os magistrados da Segunda Turma do Tribunal. De início o relator do recurso, desembargador Roberto Benatar, ponderou que não se pode, de modo generalizado, presumir a ocorrência de dano moral por atraso salarial, aplicando-a indiscriminadamente. Em algumas situações, de impontualidade pouco expressiva, trata-se, em regra, de mero aborrecimento, com o qual o homem médio deve estar preparado para conviver, afirmou o relator.
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Por outro lado, o desembargador avaliou como excessiva e desproporcional a exigência de que o atraso salarial atinja o mínimo de 90 dias, conforme previsto na Súmula 17 do Tribunal, para só então configurar-se o dano moral presumido (in re ipsa, como é conhecido no direito o dano que independe da comprovação de abalo psicológico sofrido pela vítima). Isso porque, conforme se sabe, “o trabalhador em regra não possui reservas para tais contingências, sentindo os efeitos deletérios da privação salarial em intervalos muito mais exíguos”, acrescentou ele.
O relator assinalou que, em seu entender, o não pagamento de salário pode propiciar dano moral presumido em caso de inadimplemento por pelo menos duas folhas contínuas, circunstância em que são presumíveis os prejuízos à subsistência do trabalhador e de sua família e, por isso, à sua dignidade humana.
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No caso, ficou provado que os atrasos salariais da técnica de enfermagem se deram no período de novembro de 2018 a junho de 2019, situação avaliada pelo relator como grave o suficiente para a configuração do dano moral in re ipsa.
Quanto ao argumento de que o atraso decorreu da falta de repasse do Poder Público Municipal, o relator destacou que, ainda que essa situação coincidisse com o período de atraso salarial, isso não justifica a ausência de pagamento à trabalhadora. Isso porque o empregador não pode transferir os riscos de sua atividade aos seus empregados, conforme o princípio da alteridade (previsto no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT).
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Os demais magistrados da Segunda Turma concordaram com o direito da trabalhadora em ser indenizada pelos atrasos, mas por diferentes fundamentos.
Para o desembargador João Carlos de Souza, a compensação é devida ainda que o atraso salarial seja inferior a dois meses. Em seu entendimento, a demora no pagamento “seguramente causa transtornos de ordem psíquica no trabalhador, que depende de seus salários para a quitação de suas despesas ordinárias, consistindo, in casu, em dano in re ipsa.”
Já a desembargadora Beatriz Theodoro divergiu em parte da fundamentação por avaliar que o atraso salarial, ainda que referente a dois períodos, não dá direito à reparação. Assim é presumível o dano moral apenas nos casos de atraso por mais de 90 dias, conforme a Súmula 17 do Tribunal. “Mas neste caso, tal como registrado pelo relator, restou incontroverso inadimplemento dos salários do período de novembro de 2018 a junho de 2019, ou seja, houve retenção por prazo muito superior a 90 dias, o que, nos termos do verbete acima destacado, enseja condenação por dano moral.”
Dessa maneira a Turma manteve a sentença que condenou a ré ao pagamento de indenização por dano moral decorrente de atraso salarial, inclusive quanto ao valor de R$ 2 mil, fixado em sentença, quantia semelhante a outros casos julgados pela Turma.
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